Skip to main content

Sempre houve uma admiração por compositores que escreviam peças muito complicadas. Liszt, Chopin e Rachmaninoff, por exemplo, têm peças imensamente difíceis, e é um pouco isso que os torna nomes tão proeminentes no repertório de um bom pianista.

Então, que peças é que um virtuoso deste género poderá tocar? La Campanella, o 3º Movimento da Sonata ao Luar, Estudo Op. 10 nº 4 Torrent, Hungarian Rhapsody nº 2, Estudo Op. 25 nº 12 Winter Wind, Hammerklavier, Apassionata (Estudo Transcendental)… e que tal Islamey?

Islamey: Oriental op. 18, é uma composição para piano do compositor russo Mily Balakirev, escrita em 1869, o que contrasta com os habituais anos que levava a Balakirev para terminar uma peça.

Mily Alexeyevich Balakirev foi um compositor, pianista e maestro russo conhecido hoje principalmente pelo seu trabalho que promovia o nacionalismo musical e por encorajar compositores russos mais famosos, notavelmente Pyotr Ilyich Tchaikovsky.

O compositor começou a sua carreira como uma figura central, estendendo a fusão da música folclórica tradicional com as práticas de música clássica experimental iniciadas pelo compositor Mikhail Glinka. No processo, Balakirev desenvolveu padrões musicais que podiam expressar um sentimento nacionalista evidente. Após um colapso nervoso e consequente licença sabática, ele voltou à música clássica, mas não exerceu o mesmo nível de influência de antes.

Como compositor, Balakirev terminou grandes obras muitos anos depois de tê-las iniciado; ele começou a sua Primeira Sinfonia em 1864, mas completou-a em 1897.

A exceção foi a sua fantasia oriental Islamey para piano solo, que ele compôs rapidamente e continua popular entre os virtuosos. Frequentemente, as ideias musicais normalmente associadas a Rimsky-Korsakov ou Borodin originaram-se nas composições de Balakirev, que o compositor tocou em reuniões informais do Grupo dos Cinco. No entanto, o seu ritmo lento na conclusão de obras para o público privou-o do crédito pela sua inventividade, e peças que teriam tido sucesso se tivessem sido concluídas nas décadas de 1860 e 1870 tiveram um impacto muito menor.

“… a beleza majestosa da natureza exuberante ali e a beleza dos habitantes que se harmonizam com ela – todas estas coisas juntas me impressionaram profundamente … Como me interessei pela música vocal ali, conheci um Príncipe circassiano, que frequentemente me procurava e tocava melodias folclóricas no seu instrumento, era algo como um violino. Uma delas, chamada Islamey, uma melodia dançante, agradou-me extraordinariamente e, em vista do trabalho que tinha em mente para Tamara, comecei a arranjá-la para o piano. O segundo tema foi-me comunicado em Moscou por um ator armênio, que veio da Crimeia e é, como ele me garantiu, bem conhecido entre os tártaros da Crimeia.” Conta o compositor a Edward Reiss, sobre a sua viagem ao Cáucaso.

As muitas edições existentes têm várias passagens alternativas (ossias) – a maioria é mais fácil, algumas são mais difíceis. Esta dificuldade técnica tornou a peça na favorita de virtuosos como Nikolai Rubinstein (que estreou a peça), Franz Liszt e, na história gravada, Simon Barere, Julius Katchen, György Cziffra, Boris Berezovsky, Mikhail Pletnev, Ivo Pogorelić e Lang Lang. Balakirev, considerado um pianista virtuoso na sua época, certa vez admitiu que havia passagens na peça que ele “não conseguia controlar”. Além disso, Alexander Scriabin danificou seriamente a sua mão direita por praticar fanaticamente a peça junto com Réminiscences de Don Juan de Liszt, embora a lesão eventualmente tenha sarado.

Gaspard de La Nuit é uma suíte para piano composta por Maurice Ravel em 1908.

Esta suíte foi inspirada numa série de poemas em prosa fantásticos do escritor Aloysius Bertrand. No poema, o autor relata uma série de surpreendentes visões e aventuras protagonizadas por um personagem cujo nome significa “Gaspar da Noite”(em francês, Gaspard de La Nuit). Trabalhando sob o encanto do texto evocativo de Bertrand, Ravel baseou o seu Gaspard em três desses contos.

O título do primeiro movimento, Ondine, refere-se a um espírito lendário das águas chamado Ondina, que tenta seduzir um jovem e arrastá-lo para a sua morada no fundo de um lago.

O segundo movimento, intitulado Le Gibet (em português, “O patíbulo”), transmite uma atmosfera apropriadamente densa.

O terceiro movimento, Scarbo, é o nome de um gnomo que corre quase à velocidade da luz e assume a forma que desejar.

O objetivo de Scarbo era então, ser mais difícil do que Islamey.

Mas qual é mais difícil, afinal?

De acordo com o website da G. Henle Verlag, ambos têm nível máximo de dificuldade, ou seja, na sua escala, 9.

De acordo com outro website chamado Piano Library (escala de um a cinco), Scarbo tem 5. No entanto, Islamey não figura no site.

Para começar, Ravel é notoriamente difícil de interpretar. Tocar as suas peças requer virtuosismo, mas virtuosismo usado de maneira tão leve que é quase transparente – Ravel não quer propriamente parecer difícil, mas sim mostrar o som puro que um piano pode gerar. Este compositor tem no seu repertório peças de textura riquíssima, como é o caso desta suíte (aconselho também o quarteto de cordas em Fá Maior). Se se levar a dificuldade muito a sério, perde o perfeccionismo meticuloso e a mistura entre romântico e impressionista de Ravel (como em Scarbo, se nos cingirmos às notas perde o efeito assustador). E se tocar com muito pouca personalidade, soará pálido, desbotado e repetitivo.

Em Scarbo é notoriamente difícil as notas repetidas e também o tempo a que deve ser tocado. Assim, é fácil tocar com mais intensidade do que o devido.

Diria que em Islamey a parte mais difícil é fazer as vozes falarem. Pode facilmente soar como um monte de notas, já que temos as mãos por todo o lado e assim muito difíceis de controlar. É uma peça difícil de tocar porque não dá para se esconder atrás de nada, é muito precisa e notas erradas não podem ser encobertas, para além da textura da peça. Obviamente, aprender as notas é um desafio por si, especialmente quando é para tocar no tempo indicado e as coisinhas pequeninas pioram.

São as duas consideradas as peças mais difíceis do repertório pianístico (se bem que pode querer dar uma olhada a este artigo), mas qual é, então, a mais difícil?

Nunca toquei nenhuma delas, atenção, mas depois de ler as experiências de vários pianistas com estas peças, apesar de a dificuldade ser algo relativo que varia conforme os pianistas, creio que a mais difícil será Scarbo.

Em baixo fica um vídeo de uma masterclass sobre Islamey de Lang Lang e a versão de Scarbo de Benjamin Grosvenor, que encontrei classificada pela Gramophone como uma das dez melhores gravações de Ravel.

0
Gostaria da sua opinião. Por favor comente.x