Franz Liszt era, de acordo com registos históricos, uma pessoa espetacular, não só por ser um compositor magnífico e um dos melhores pianistas de todos os tempos mas também pela boa pessoa que era – Liszt doou grande parte dos seus rendimentos a instituições de caridade e causas humanitárias durante toda a sua vida. Este tinha ganho tanto dinheiro por volta dos 40 anos que praticamente todas as suas taxas de apresentação depois de 1857 foram para a caridade. Embora o seu trabalho para o monumento de Beethoven e a Escola Nacional de Música da Hungria seja bem conhecido, ele também doou generosamente para o fundo de construção da Catedral de Colónia, o estabelecimento de um Ginásio em Dortmund e a construção da Igreja Leopold em Pest. Houve também doações privadas para hospitais, escolas e organizações de caridade, como o Leipzig Musicians Pension Fund. Quando ele descobriu sobre o Grande Incêndio de Hamburgo, que durou três dias durante maio de 1842 e destruiu grande parte da cidade, ele deu concertos com o objetivo de oferecer ajuda aos milhares de sem-abrigo ali. Para além disso, ele deu aulas de graça aos seus alunos nos seus anos mais tardios em que ele já tinha reputação estabelecida.
Ele foi amigo, promotor musical e benfeitor de vários compositores do seu tempo, e neste artigo vão ser apresentados dez destes:
1. Fréderic Chopin
A amizade entre Chopin e Liszt já teve o seu próprio artigo dedicado no Pianissimo – enquanto esta durou, Liszt tentou, com grande resistência por parte de Chopin, inseri-lo nos grandes círculos musicais da Sociedade Francesa – no entanto, até ao fim da sua vida, Chopin deu à volta de 30 concertos apenas.
2. Richard Wagner
Entre 1847 e 1861 Liszt ajudou o então exilado Wagner de várias maneiras – para além de escrever artigos a glorificar tanto Wagner como Berlioz (que também vai aparecer a seguir) ele conduziu as aberturas das óperas de Wagner. Estes dois compositores tiveram uma boa amizade até ao fim da vida de Wagner, e, inclusive, a filha de Liszt, Cosima, casou-se com Hans von Bülow e mais tarde com Wagner. Liszt acolheu Wagner e Minna, sua primeira esposa, por alguns dias enquanto ele tinha de fugir da Alemanha. Liszt deu-lhe algum dinheiro e aconselhou que ele fosse para Paris, enquanto Minna ficaria com Liszt. Wagner despediu-se então com grande emoção da esposa e do amigo e seguiu às pressas para a capital francesa, seguindo uma rota sugerida por Liszt que passava pela Suíça e era menos provável que fosse vigiada pela polícia.
Richard e Cosima Wagner.
3. Mikhail Glinka
Liszt, como o virtuoso que era – o que fundou o conceito de Lisztomania, que vai ser explicado num artigo para vir – fez várias turnês à volta do mundo, incluindo uma no Império Russo. Foi aí que ele popularizou este compositor na Europa Oriental. Franz Liszt aparece no filme sobre Glinka, interpretado por Sviatoslav Richter.
4. Hector Berlioz
Em 1833, Liszt fez transcrições de várias obras de Berlioz, incluindo a Symphonie fantastique. O seu principal motivo para fazer isso, especialmente com a Sinfonia, era ajudar o pobre Berlioz, cuja sinfonia permanecia desconhecida e não publicada. Liszt arcou com as despesas de publicação da transcrição e reproduziu-a muitas vezes para ajudar a popularizar a partitura original. Para além disso, como já foi referido, ele escreveu artigos tanto a glorificar Berlioz como Wagner.
5. Alexander Borodin
A fama de Borodin durante o período em que viveu fora do Império Russo foi possível graças à ajuda de Franz Liszt, que arranjou uma performance da Sinfonia nº 1 de Borodin na Alemanha em 1880.
6. Charles-Valentin Alkan
Este compositor, juntamente com Liszt e Chopin, era um dos que liderava as performances de piano em Paris. Apesar de Alkan ter declinado a oferta, Liszt indicou-o para Professor no Conservatório de Génova, e também escreveu uma crítica apreciativa para as op. 15 Caprices de Alkan.
Liszt assistiu também a pelo menos um concerto deste compositor, e Alkan dedicou-lhe uma das suas obras, as tais op. 15 Caprices.
7. Clara Schumann
Liszt também escreveu um artigo sobre esta compositora. Chopin descreveu a sua forma de tocar a Liszt quando ela era ainda Clara Wieck e este veio ouvi-la com a recomendação do amigo. No entanto, durante a Guerra dos Românticos, tanto Clara como Robert ficaram abertamente hostis com Liszt, por defenderem valores mais conservativos. Enquanto Clara acreditava que se devia esconder a personalidade do artista para obter o que o compositor criou, Liszt acreditava em preservar a individualidade artística de cada um, incentivando os seus próprios alunos a praticar mais musicalidade do que técnica. Assim, em vez de Liszt querer viver na sombra de Beethoven, ele queria impulsionar a música do futuro – e acho que merece um obrigado da parte dos pianistas aqui – pelo menos eu prefiro o lado dele nesta discussão.
8. Edvard Grieg
Durante 1868, Franz Liszt, que ainda não tinha conhecido Grieg, escreveu um depoimento dele para o Ministério da Educação Norueguês, que resultou na obtenção de uma bolsa de viagem para Edvard. Os dois compositores conheceram-se em Roma em 1870. Durante a primeira visita de Grieg, eles examinaram a Sonata para violino nº 1 de Grieg, que agradou muito a Liszt. Na sua segunda visita em abril, Grieg trouxe consigo o manuscrito do seu Concerto para Piano, que Liszt começou a suspirar (incluindo o arranjo orquestral). A interpretação de Liszt impressionou muito o público, embora Grieg lhe tenha dito gentilmente que ele tocou o primeiro movimento rápido demais. Liszt também deu a Grieg alguns conselhos sobre orquestração (por exemplo, dar a melodia do segundo tema do primeiro movimento a um trompete solo, que o próprio Grieg decidiu não aceitar).
9. Camille Saint-Saëns
Saint-Saëns, apesar de idolatrar compositores como Liszt e Wagner, tinha um estilo mais clássico nas suas próprias composições. Liszt foi um dos primeiros a detetar o talento do jovem músico, e rapidamente o apelidou de “melhor organista do mundo”. Saint-Saëns modulou também os seus poemas sinfónicos para ter a estrutura dos de Liszt, que os inventou em primeiro lugar.
10. Joachim Raff
Raff certamente tinha muito a agradecer pela ajuda inicial de Liszt em repetidamente encontrar um trabalho para ele e promover a sua música. No entanto, a sua atitude para com Liszt muitas vezes denunciava frustração e ressentimento. Por outro lado, o trabalho de Raff para Liszt nos primeiros anos de Weimar foi incansável e cansativo, mas Liszt permaneceu ambíguo em relação ao seu secretariado e às composições do jovem. Quando Raff se mudou para a órbita de Liszt em 1845, ele era um músico sem um tostão do interior da Suíça, autodidata em música e a lutar para encontrar a sua própria personalidade musical. Durante os turbulentos quatro anos seguintes, Liszt, com a sua generosidade característica, ajudou Raff, empregando-o para si mesmo e, em seguida, encontrando-lhe empregos em Colónia e Hamburgo. Apesar disto, eles brigaram mais de uma vez e Raff recusou a primeira oferta de Liszt de um cargo permanente com ele. A irascibilidade e franqueza de Raff já estavam em evidência e isso criou um relacionamento tempestuoso.
Depois de Raff finalmente aceitar a oferta de Liszt de trabalhar para ele em Weimar e morar com ele em Altenburg, desde o início parece que houve um mal-entendido sobre o seu papel. Raff presumiu que ele estava lá como colega musical de Liszt e, de facto, como o seu guia na orquestração. Liszt, no entanto, considerava Raff como o seu protegido, um copista e secretário cuja contribuição artística para as orquestrações de Liszt era apenas escrever rascunhos contra os quais Liszt reagiu e, assim, esclareceu os seus próprios desejos. Logo, porém, Raff estava a gabar-se ao seu amigo Kunigunde Heinrich “Estou determinado a ter um pouco de influência… [Liszt] já percebeu que isso é como deveria ser… e ele prontamente aceita as observações que costumava repugnar” – deixando claro que a sua influência foi realmente grande no processo de composição. Ele fez reivindicações sobre a autoria de vários poemas sinfónicos e concertos para piano de Liszt. Durante uma apresentação de Prometheus, ele disse “Ouça a instrumentação. É por mim”. Talvez precisasse de dizer isso para preservar a própria auto-estima, porque também se queixava: “O meu trabalho por Liszt, é verdade, é infinito”.
A amante de Liszt, a princesa Carolyne Sayn von Wittgenstein, guardiã ciumenta da sua reputação, obviamente tinha uma opinião ruim de Raff e o descreveu como “um aprendiz… um parasita… um homem insensível que cultiva a arte apenas como uma ciência”. A opinião de Raff sobre a princesa era igualmente depreciativa. O círculo artístico de discípulos de Liszt cresceu e, sem dúvida, a importância de Raff para Liszt diminuiu à medida que novos acólitos chegavam, à medida que a confiança de Liszt em escrever para orquestra crescia, à medida que Raff desenvolvia sua própria personalidade musical não-Lisztiana e à medida que começava a separar-se de um grupo de seguidores escravos de todos os ideais da “Nova Música” de Liszt.
Raff permaneceu em Weimar por vários anos depois de deixar de ser funcionário de Liszt. Ele passou a detestar a cidade, mas permaneceu talvez por causa dos seus laços com amigos como von Bülow (outro protegido de Liszt), porque ainda tinha muita simpatia pelos ideais do “Neu-Weimar-Verein” de Liszt, mas principalmente porque a sua futura esposa Doris era filha de Eduard Genast, o diretor do Weimar Court Theatre, e ela era atriz lá. Quando ela se mudou para Weimar, ele seguiu-a e os seus anos de sucesso começaram quando ele finalmente emergiu musicalmente e fisicamente da sombra de Liszt.
Acaba assim a seleção de 10 compositores que a alma generosa de Liszt ajudou a popularizar durante o seu tempo de vida!
A generosidade de Liszt é, no mínimo, inspiradora.
Generosidade essa, só ultrapassada muito provavelmente pelo seu talento… prova de que os verdadeiramente grandes engrandecem quem os rodeia!
Nem mais!! Obrigada pelo comentário ❤