O que é Impressionismo? Como é que este movimento artístico se encaixa na música?
Começando pelo movimento artístico, o Impressionismo foi um movimento que surgiu na pintura francesa do século XIX. Começou com um grupo de jovens pintores que rompeu com as regras da pintura vigentes até então. Os pintores deixaram de procurar o realismo que era praticamente regra na altura e preferiram procurar o valor expressivo das suas peças, não mais interessados em temáticas nobres ou no retrato fiel da realidade, mas em ver o quadro como obra em si mesma.
Na música, este movimento caracteriza-se por se focar no ambiente, cenário, atmosfera da música, digamos assim, em vez da clareza, certeza e equilíbrio do período clássico ou a avalanche de sentimentos do período romântico.
A característica mais proeminente no impressionismo musical é o uso de “cor”, ou em termos musicais, timbre, que pode ser obtido por meio de orquestração, uso harmónico, textura, etc. Outros elementos do impressionismo musical também envolvem novas combinações de acordes, tonalidade ambígua, harmonias estendidas, uso de modos e escalas exóticas, movimento paralelo, extra musicalidade e títulos evocativos como Reflets dans l’eau (Reflexões sobre a água, 1905), Brouillards (Mists, 1913) etc.
Em baixo ficam 7 peças impressionistas para analisar brevemente:
1. Reflets Dans l’Eau, Claude-Achille Debussy
Graças à expressão usada por Debussy nos acordes que compõem esta peça, tão dissonantes entre si, conseguimos mesmo ouvir a água na peça.
Alguns momentos cruciais nesta caracterização:
- No minuto 1:16 conseguimos ouvir uma subida que se aproveita das notas mais agudas do piano para nos dar a sensação de água cristalina a correr enquanto temos uma melodia, mais uma vez, algo dissonante, até chegarmos à reexposição do tema também com este efeito.
- No minuto 2:32 podemos ouvir uma técnica semelhante à que ouvimos na obra “Un Sospiro” de Liszt, no entanto, num registo mais agudo, para evoluir para um tema de maior amplitude sonora, até chegarmos a uma repetição muito mais simplista do tema principal a seguir a várias sequências de acordes.
2. Scarbo (parte de Gaspard de La Nuit, aka. A peça para piano mais programática de que me consigo lembrar), Maurice Ravel
Como já referido num artigo anterior (disponível aqui) esta peça é parte de uma das melhores suítes para piano da História e é uma representação magnífica do que é uma peça assustadora, dado que Scarbo, na obra por que esta obra foi inspirada, é um gnomo que corre quase à velocidade da luz e pode assumir a forma que desejar.
Na minha opinião, Ravel, que está no top 5 dos meus compositores preferidos, tem de ser ouvido com uma mentalidade de quem não quer algo estruturado e sonante. Se nos deixarmos absorver pela música em vez de procurarmos harmonia, vamos apreciar a complexidade programática do trabalho e interpretar a atmosfera que Ravel transpôs nos seus trabalhos.
- Reparemos, por exemplo, na reexposição do tema em 4:59 – quase não se nota a diferença, no início, mas depois com o registo a tornar-se mais grave, quando volta a subir a sonoridade torna-se mais misteriosa, e torna-se assustadora, mesmo com menos notas, graças, a meu ver, à sobriedade daquela passagem, que nos faz esperar por mais das passagens intrincadas que estávamos a ouvir anteriormente, algo que Ravel nos volta a mostrar, com algumas repetições de pequenos temas anteriores que com certeza serão captados por quem já ouviu a peça algumas vezes.
3. La Cathédrale Engloutie, Claude-Achille Debussy
Logo no início da peça deparamo-nos com acordes aparentemente “aleatórios” e lentos, mas a peça é muito mais do que isso. A obra já foi explicada neste artigo – mas, em resumo, pretende retratar uma catedral abandonada, fruto da lenda da ilha de Yeu, oriunda da Bretanha, no norte da França.
- Normalmente, nesta gravação, no 4:45, nem sequer consigo ouvir as primeiras notas da frase se estiver com o volume muito baixo, mas a melodia que se segue e em seguida leva à reexposição do tema inicial e depois ao fim da peça (infelizmente, bem que podia ser mais comprida que eu ouvia tudinho) pode não ser melodiosa como Tchaikovsky ou Mendelssohn, mas captura o efeito que é pretendido numa forma que também é maravilhosa de ouvir.
- Uma das passagens em que o efeito pretendido, para mim, é mais evidente, é 1:28, com especial destaque para o bocado que começa mais ou menos no 2:20. Os acordes fortes mais ou menos no estilo dos tocados inicialmente e o decrescendo no fim dos mesmos para mim destacam muito bem o tema pretendido.
4. Ondine (também parte de Gaspard de La Nuit), Maurice Ravel
Ondine, que na história de que também faz parte Scarbo retrata ninfas da água, ouve-se logo pelo início o efeito não só da água mas também de um certo encanto e graciosidade na caracterização da ninfa. Toda a peça decorre nesta atmosfera, o registo no piano tornando-se mais e mais amplo e dramático.
5. Prélude à l’après-midi d’un Faune, Claude Debussy
https://youtu.be/q_iGCBfChbM
Debussy procurou considerar “a impressão geral do poema” de Stéphane Mallarmé que inspirou esta peça (história completa aqui) ilustrada por instrumentos que realçam e colorem as emoções e as impressões das passagens invocadas. Segundo o autor “…São na verdade sucessivos cenários por onde se movem os desejos e os sonhos do fauno no calor da tarde”. Debussy denominou esta peça de “Prelúdio” porque tencionava escrever uma suíte (prelúdio, interlúdio e paráfrase final). Porém, nunca o fez, ficando só a primeira parte.
Podemos assim notar a importância da flauta no início da peça, que o fauno tocara enquanto estava acordado.
6. Pavane Pour une Infante Défunté, Maurice Ravel
A história por detrás desta peça também pode ser encontrada aqui, mas, em resumo, a peça não tem nada a ver com morte ou lamento. É só a imagem etérea de uma princesa a dançar na corte.
Para mim, desde o início ao fim da peça, especialmente se a ouvirmos com auscultadores, transmite um sentido de solidão, mas num sentido agradável, doce, talvez também de singularidade, e realmente remete-nos para o tema em questão e envolve-nos na atmosfera pretendida.
7. Quarteto para Cordas em Fá Maior, Maurice Ravel
O Quarteto em Fá maior foi a apresentação final de Ravel ao Prix de Rome e ao Conservatoire de Paris. A composição foi rejeitada por ambas as instituições logo após sua estreia em 5 de março de 1904 pelo Quarteto Heymann. O quarteto recebeu críticas mistas da imprensa parisiense e da academia local. Gabriel Fauré, a quem o trabalho é dedicado, descreveu o último movimento como “atrofiado, mal equilibrado, na verdade um fracasso” (como se ele próprio fizesse melhor).
O próprio Ravel comentou sobre a obra: “O meu Quarteto em Fá maior responde a um desejo de construção musical, que sem dúvida é realizado de forma inadequada, mas que emerge muito mais claramente do que em minhas composições anteriores.”
Como resultado de grandes críticas e rejeições, um frustrado Ravel deixou o Conservatório em 1905 após o que mais tarde foi chamado de Caso Ravel. A perda de Ravel durante o Prix de Rome de 1904 e a rejeição do Conservatório de Paris catapultaram a sua carreira não para trás, mas para a frente: um público simpático reuniu-se por trás das suas composições e estilo musical. Em 1905, Claude Debussy escreveu a Ravel: “Em nome dos deuses da música e em meu nome próprio, não toques numa única nota que escreveste no teu Quarteto.”
O resultado? A minha peça preferida de música de câmara. Desde o início da obra que me maravilha a orquestração que transforma quatro instrumentos nalgo tão rico e pura e simplesmente belo. A primeira frase sozinha é das coisas mais maravilhosas que já encontrei num quarteto de cordas.
O quarteto de cordas em Fá maior de Ravel é uma das obras de música de câmara mais executadas do repertório clássico, representando as primeiras realizações de Ravel e a sua ascensão da obscuridade.
Parece que o público de música clássica tem bom gosto para estas coisas, não é Fauré?
(Se quiser ouvir mais, aqui fica uma lista das obras mais importantes do movimento – com algumas repetidas, mas que são importantes)
Claude Debussy:
Maurice Ravel:
Por estas análises e já com a primeira pergunta respondida, acho que podemos claramente verificar que os compositores mais proeminentes neste estilo são Debussy e Ravel. No entanto, temos outros nomes figurantes no catálogo impressionista, como por exemplo Erik Satie e Paul Dukas.
Estávamos no século 19, segunda metade.
O Período Romântico dominava a música erudita (como é que lá chegou? Está tudo neste artigo) e a música na Alemanha, não só por influência de Liszt mas também por Wagner, era muito emocional e carregada do uso dramático das escalas maior e menor. Havia também o uso de formatos longos de composição, como a sinfonia e o concerto, e a música que estava a ser produzida começava a ser considerada muito séria pelos vizinhos do país – os franceses.
Os músicos de lá estavam fartos de todos os excessos, queriam música mais pacífica e menos comprida.
Origina-se então o movimento na França, caracterizado por sugestão e atmosfera, abstendo-se dos excessos emocionais da era Romântica.
Compositores impressionistas preferiam composições com formas mais reduzidas como o noturno, o arabesque e o prelúdio. Talvez a inovação mais notável usada pelos compositores impressionistas tenha sido o uso da escala de acordes de 7ª maior e a extensão de estruturas nos acordes com intervalos de 3ª a harmonias de cinco e seis partes.
Um estilo musical, distinto e marcante, do período da música impressionista foi o efeito de planar sobre uma frase melódica. Claude Debussy, especialmente, foi mestre deste efeito. Em várias das suas composições verificamos que este compositor francês utiliza acordes de 11ª e 13ª bem abertos e repetitivos, lentamente e, com um toque ostinato sobre estes acordes, ele desenvolve uma linha simples melódica por cima da mão que fica a repetir o acompanhamento nas mesmas notas, causando este efeito ser chamado de “planar”, o que críticos descrevem como: “O efeito disto era uma nova e estranha sonoridade.”; pois causa a impressão de Debussy estar a voar, a planar lentamente, com o acompanhamento da música. Cerca de 20 anos após o surgimento do Impressionismo na pintura, ouvia-se Prélude à l’après-midi d’un Faune (Prelúdio à tarde de um fauno) de Claude Debussy. Este prelúdio foi uma marcante manifestação musical Impressionista.
“A música orquestral de Debussy é a que corresponde melhor à sua imagem de impressionista.”. Maurice Ravel também utiliza os mesmo efeitos que Debussy, e a sua Pavane Pour une Infante Defunté demonstra isto muito bem.
Assim como na pintura, a música impressionista não possui linhas (neste caso melódicas) nítidas, as suas melodias são pouco angulosas e etéreas. O efeito dos sons é muito importante no contexto da obra, muitas vezes mais importantes que a própria melodia, como se pode observar nos floreios e dedilhados representados em Gaspard de La Nuit, obra para piano de Maurice Ravel.
A música impressionista não segue o clássico sistema tonal Ocidental, procurando harmonias dissonantes (para os padrões da época) noutras culturas, principalmente asiáticas.
O Impressionismo basicamente caracteriza-se por ter um lirismo íntimo solitário (seguindo os passos dos Impressionistas e Simbolistas que preferem o imaginário e fantasioso ao real); frequentemente nota-se o uso de efeitos sonoros (a exemplo de Jeux d’Eau de Maurice Ravel, que se inicia com floreados representando a água corrente). Os Impressionistas fizeram uso imenso da escala hexatonal para simular efeitos emocionais suspensos, etéreos (fortificando assim a sensação de sonho e fantasia).
O estilo veio a inspirar variados e importantes compositores como Isaac Albéniz, Camille Saint-Saëns e Alexander Scriabin, e, não importa quanto tempo passe, continua a ser uma fração importante da música erudita.
E não é isso uma das virtudes da música erudita? Não importa quanto tempo passe desde que foi criada, continua a ser apreciada por todo o Mundo.
Eu amo música, apaixonadamente. E porque eu a amo, eu tento libertá-la das tradições estéreis que a sufocam.
Claude Debussy
Compositor Impressionista
Devíamos sempre lembrar-nos que sensividade e emoção constituem o verdadeiro conteúdo de uma obra de arte.
Maurice Ravel
Compositor Impressionista
Impressionismo é apenas sensação direta. Todos os grandes pintores
eram mais ou menos
impressionistas. É principalmente uma questão de instinto, e muito
mais simples do que [John Singer]
o Sargento pensa.
Claude Monet
Pintor Impressionista
Bom dia. Li o artigo e achei interessante. Embora eu tenha estudado piano por uns 10 anos seguidos para servir de base ao aprendizado da música clássica para órgão, sugiro no campo desta última que se apreciem as “24 peças em estilo livre (Op. 31)” do francês Louis Vierne (1870-1937), que estão dispostas em sequência tonal semelhante aos dois volumes d’O Teclado Bem Temperado de Johann Sebastian Bach.
Olá!
Muito obrigada pelo comentário ????
Fico muito feliz que tenha gostado deste artigo.
Nunca tinha ouvido falar de Louis Vierne. Fico muito curiosa e vou, com certeza, verificar as “24 peças em estilo livre”.
Agradeço muito a recomendação ❤
Mariana