Béla Viktor János Bartók (Nagyszentmiklós, 25 de março de 1881 – Nova Iorque, 26 de setembro de 1945), foi um compositor húngaro, pianista, professor e investigador de música popular. É considerado, junto a Franz Liszt, um dos maiores compositores da Hungria.
Enquanto estudava com László Érkel, a sua música foi particularmente influenciada por Brahms e Dohnányi. No entanto, quando passou a estudar na Academia de Música Franz Liszt, dedicou-se inicialmente a estudar a música de Wagner e Liszt, o que o afastou da influência Brahmsiniana anterior mas não lhe serviu como base para desenvolver o seu estilo próprio.
Depois de dois anos sem produzir nenhuma obra, Bartók assistiu à primeira performance do poema sinfónico Also Sprach Zarathustra (Richard Strauss) em Budapeste, obra que o marcou profundamente e parecia indicar o caminho a seguir composicionalmente. Em paralelo, havia um florescente movimento nacionalista húngaro, que ganhava mais e mais influência na política, na arte e na música. Em 1903 Bartók concluiu os seus estudos na Academia e, debaixo da influência de Strauss e de ideias nacionalistas, compôs a sua primeira obra de grande escala, o poema sinfónico Kossuth, estreado em 1904.
O contacto de Bartók com ideias nacionalistas levou-o a tomar interesse pela primeira vez pela música étnica húngara. Ao longo do século XIX até ao começo do século XX o que se entendia por folclore húngaro era principalmente música cigana, tocada por grupos de músicos profissionais que viajavam de cidade em cidade (ainda hoje existe uma escala chamada húngara-cigana, que é semelhante à menor harmónica, no entanto o 4º grau sobe meio tom).
Peças de destaque do repertório romântico como as Rapsódias Húngaras de Franz Liszt ou as Danças Húngaras de Brahms são baseadas principalmente nesta música cigana. Destas últimas composições, apenas três são da autoria de Brahms. O resto são melodias que fazem parte da tradição étnica húngara, na qual Brahms se inspirou nos formatos como as csárdás e os verbunkos. No caso de Liszt, estas peças são mais inspiradas nos verbunkos, e ao passar um olho pelos títulos podemos notar algumas coisas engraçadas:
- Como subtítulo da Rapsódia Húngara nº 19 podemos encontrar a anotação: D’après les “Csárdás nobles” de K. Ábrányi
- A Rapsódia Húngara nº 12 é dedicada a Yosef Joachim, que era dos mais importantes violinistas da sua época. Foi também o primeiro violinista a fazer uma gravação sonora. Estes eram amigos, no entanto depois este violinista passa para o outro lado da questão (Guerra dos Românticos, falo um bocado do assunto neste artigo, se não me engano) e hostiliza-se com o Liszt só por causa disso, tal como um certo compositor que eu cá sei que acabou num hospício. Tanta coisa por tão pouco! Sem comentários. Só para esclarecer, estou do lado do Liszt.
- A Rapsódia Húngara nº 9 é dedicada a H. W. Ernst, que era outro super virtuoso do violino, como Paganini. O arranjo dele para violino do Erlkönig, de Schubert, é uma das obras mais difíceis do repertório deste instrumento. No entanto, aconselho vivamente a quem quiser ouvir. É muito bonito.
- A Rapsódia Húngara nº 4 é dedicada ao Conde Casimir Esterházy. A família Esterházy, clã proeminente na nobreza húngara, teve pelo menos dois descendentes que foram patronos de Joseph Haydn, incluindo um que o convenceu a tornar-se o seu Vice-Kappelmeister. Liszt foi também convidado a ser Kappelmeister pelo grão-duque de Weimar. Era sonho de seu pai, Adam Liszt, de se tornar músico. Estudara piano, violino, guitarra clássica e violoncelo. Enquanto estudava filosofia na Universidade de Pressburg, estudou instrumentação com Paul Wigler; infelizmente, devido à sua falta de recursos financeiros, teve de desistir dos estudos. Logo no dia 1° de janeiro de 1798, ele passou a trabalhar para o Príncipe Nikolaus II Esterházy. Entre 1805 e 1808, ele trabalhou em Einsenstadt, onde o Príncipe Esterházy tinha uma casa de férias com uma orquestra. Até 1804 esta orquestra foi regida por Haydn, e a partir desta data até 1811, por Johann Nepomuk Hummel. Em várias ocasiões, Adam Liszt tocou nela como segundo violoncelista. Em 13 de setembro de 1807, a orquestra executou a Missa em Dó maior de Ludwig van Beethoven, regida pelo próprio. Adam Liszt conhecia Haydn, Hummel e Beethoven. Para ele, os vienenses clássicos tinham atingido o mais alto nível de musicalidade. No entanto, o filho dele ainda estava para vir…
- O próprio Liszt, quando adulto e artisticamente maduro, dizia muitas vezes que as experiências musicais mais importantes da sua infância foram as performances de artistas ciganos. Porém, o repertório que ele teve de estudar era bem diferente da música cigana. Uma carta de Adam Liszt para o Príncipe Esterházy datada de 13 de abril de 1820, diz que ele tinha comprado cerca de 8,800 páginas de partituras dos maiores mestres da música para a aprendizagem do seu filho.
Continuando com Bartók:
Em 1904, quando estava em férias no campo, Bartók escutou Lidi Dósa, uma camponesa da Transilvânia, cantar melodias folclóricas profundamente diferentes da música cigana que tomava até então por folclore húngaro.
Este contacto com música camponesa, que a partir de então passou a ver como expressão da genuína música húngara, levou Bartók a começar os seus planos de estudo e recolha do folclore musical húngaro, fornecendo-lhe ainda um novo direcionamento estético.
Assim, numa carta deste período à sua irmã, o compositor afirmou:
“Tenho agora um novo plano: irei colecionar as mais belas canções folclóricas húngaras e irei elevá-las ao nível de peças artísticas por orná-las com o melhor acompanhamento pianístico possível.”
Assim, em 1905 Bartók empreendeu a sua primeira viagem de estudos folclóricos, auxiliado pelo também compositor e amigo pessoal Zoltán Kodály.
No começo destes estudos, o compositor apenas se focava no aspeto musical do material recolhido (ou seja, a sua possibilidade de uso como material para composição) e restringia a área da sua recolha à Hungria apenas.
No entanto, ao se aperceber do valor científico do trabalho que estava a realizar, Bartók expandiu a sua área de recolha, estudando também o folclore eslovaco e romeno.
Este material folclórico caracterizava-se por ser musicalmente baseado em antigos modos eclesiásticos – gregos e pentatónicos.
Bartók afirmava que conhecer este repertório foi essencial no desenvolvimento da sua estética por “liberá-lo do jugo tirânico das tonalidades maiores e menores” e “levá-lo a uma nova conceção da escala cromática, em que todos os tons poderiam ser considerados de igual valor e utilizados de forma livre e independente.”
Esta visão aproxima a estética de Bartók do conceito de Emancipação da Dissonância, paralelamente explorado por Arnold Schoenberg. Assim, para além de ser um dos fundadores da etnomusicologia, Bartók teve também um importante papel no desenvolvimento do atonalismo.
Só para explicar brevemente como é que modos antigos se podem relacionar com atonalismo, darei um breve exemplo com modos gregos:
Os modos gregos são:
- Jónico (começa na tónica)
- Dórico (começa no 2º grau)
- Frígio (começa no 3º grau)
- Lídio (começa no 4º grau)
- Mixolídio (começa no 5º grau)
- Eólio (começa no 6º grau)
- Lócrio (começa no 7º grau)
O grau que for o Jónico usa sempre a armação de clave que usa na escala diatónica.
Então imaginemos que queremos sol sustenido lócrio – isto significará que iremos tocar a escala a partir de sol sustenido, mas com a armação de clave do modo jónico, que equivale à escala maior.
Assim, como o modo jónico é lá, cuja armação de clave é fá, dó e sol sustenidos, teremos assim uma escala que consiste em: sol #, lá, si dó #, ré, mi fá #, sol # – muito diferente da escala de sol # maior.
Foi oferecido a Bartók um cargo pianístico em Budapeste, onde ele teve maior contacto com compositores seus contemporâneos onde identificou marcas presentes no seu próprio trabalho científico, como Debussy (modos pentatónicos) e Stravinsky.
Isto reforçou para o compositor a ideia de que o futuro da composição estaria em “rejuvenescer” a música através da incorporação do folclore, especialmente rural. Este serviria como uma espécie de “lufada de ar fresco” na vida musical europeia por conter formas mais genuínas, diretas e primitivas de expressão, preservadas pelo isolamento das regiões em que Bartók as explorava.
Esta nova voz do compositor, com início marcado pela Suíte n. 2 op. 4, representou uma rutura com formas mais tradicionais da música europeia e foi recebida em Budapeste com reações adversas.
Bartók associou em parte a animosidade direcionada à sua obra a uma falta de entendimento do público, causada em parte por uma falta de entendimento dos próprios músicos executantes. A verdade é que uma coisa éescutar Liszt ou Wagner, ou até mesmo Debussy, e outra coisa é ouvir folclore de regiões isoladas a que ninguém está habituado. Por muito bonito que seja, é algo completamente novo para o público que estava a ouvir. O mesmo aconteceu com The Planets, de Holst, e hoje é um marco importantíssimo na música cinematográfica.
Em 1911, com o acirramento do debate acerca das novas tendências estéticas, tentou sem sucesso fundar junto com Kodály uma Sociedade de Nova Música Húngara, que teria por objetivo principal a formação de uma orquestra estável especializada em repertório novo.
O fracasso no estabelecimento da Sociedade de Nova Música e a vida pessoal conturbada levaram Bartók a retirar-se da vida pública em 1912 e dedicar-se quase totalmente aos estudos folclóricos. Por esta altura, os seus estudos eram já estruturados de forma mais científica – procuravam interpretar as peças com uma análise melódica que permitisse compará-las (método baseado no de Ilmari Henrik Reinhold Krohn, musicólogo finlandês especializado em música popular e na obra de Richard Wagner, Anton Bruckner e Jean Sibelius).
https://youtu.be/gljRZ-3BlcM
A partir desta comparação seria possível criar uma espécie de genealogia ou linha evolutiva do folclore, partindo de formas simples antigas para formas complexas mais recentes. Esta visão genealógica levou Bartók a postular uma origem comum para as distintas músicas étnicas.
Tais formulações teóricas exigiam uma quantidade muito ampla e variada de material coletado, o que levou Bartók a planear várias expedições a países distantes. A única que pôde realizar foi uma viagem a Biskra, Argélia, em 1913 para estudar música árabe. A eclosão da Grande Guerra em 1914 impediu a realização de novas expedições e dificultou o acesso aos já escassos recursos para pesquisa musicológica na Hungria. Bartók seguiu realizando pequenas viagens de recolha de folclore dentro da Hungria até 1918.
Durante a Segunda Guerra Mundial, decidiu abandonar a Hungria e emigrou para os Estados Unidos. Morando em Nova Iorque, Bartók dececionou-se com a vida norte-americana. Havia pouco interesse pela sua obra, e as suas apresentações, onde a sua segunda esposa Ditta Pásztory também participava, deram pouco retorno financeiro. Ajudado financeiramente por amigos, prosseguiu na sua carreira de compositor, sendo o sexto quarteto de cordas uma das suas últimas composições. Em 1944 a sua saúde declina, tanto que Bartók passa a viver no hospital, sob cuidados médicos. Apesar da situação, compõe ainda o 3° Concerto para Piano e um Concerto para Viola, que fica incompleto, ao morrer aos 64 anos, de leucemia.
Béla Bartók é hoje considerado um dos maiores compositores do século XX. Foi um dos fundadores da etnomusicologia, também conhecida como antropologia ou etnografia da música. Esta é definida como comparação das obras musicais, especialmente as canções folclóricas dos vários povos da terra, para propósitos etnográficos, e a classificação delas de acordo com as suas várias formas.
“As melodias folclóricas são a personificação de uma perfeição artística da mais alta ordem;
na verdade, elas são modelos do caminho em
em que uma ideia musical pode ser expressa
com a maior perfeição em termos de brevidade da forma e simplicidade dos meios.”
Béla Bartók
Compositor
Ah, e quase me esquecia: bom ano!!
Mesmo muito interessante – a Etnomusicologia e a forma coincidente como diversos Compositores (hoje) de renome mundial convergiram na convicção de que era urgente compilar e legar à posteridade o espólio oriundo dos folclores ancestrais dos seus países de origem.
Com efeito, ainda hoje estas melodias, perfeitas na sua simplicidade, continuam a persistir e a inspirar!
E que pena é quando, entre gerações de avós e netos, algumas “modas” e canções populares deixam de ser relembradas e transmitidas…
É mesmo pena 🙁
Ainda por cima com a variedade abismal que há à volta do mundo!
O que eu acho mais interessante é como, para além do seu estudo científico, houve vários compositores que honraram a sua música tradicional com a mesma intenção inicial de Bartók: por exemplo Grieg, que no seu op. 17 “25 Canções e Danças do Folclore Popular Norueguês” nos deixou um (lindíssimo) legado de como era o folclore no país dele. E isto abrange desde danças (Springar, por exemplo), a canções sobre os fiordes (Niels Tallefjorden), e até mesmo a chamadas de gado (Leik).
Também acho engraçado quando há compositores que compõem peças influenciadas por este dito folclore. Querendo eu dizer, com harmonias de raiz mas o mesmo estilo, propositadamente, como Isaac Albéniz em “Astúrias”, Astor Piazzola em “L’histoire du Tango” ou até Pablo de Sarasate em “Navarra”.
E não só do seu próprio! Sarasate, por exemplo, escreveu uma peça que eu adoro, que é a “Zigeunerweisen” – melodias ciganas. Também existe uma peça bastante conhecida de Vittorio Monti que se chama “Czardas”, tipo de folclore tradicional da Hungria, que foi referido neste mesmo artigo.
Muito obrigada pelo comentário ????